" Balbúrdia vem do grego “balbus” que quer dizer gago ou estrangeiro que fala em uma língua que não entendemos"C. Dunker.
Arquivo do professor Aldo Ambrózio |
O professor e Psicanalista Aldo Ambrózio nos mostra uma matéria do seu colega Christian Dunker-USP-CAPTURA DO FACEBOOK
C Dunker- por Rev Cult |
Diz Dr.Aldo Ambrózio: "Artigo excelente do Psicanalista Christian Dunker sobre a balbúrdia deste desgoverno:
Meu artigo na Folha de hoje sobre:
“A Balbúrdia de Weintraub”
Desde de que a balbúrdia tornou-se método de governo a retórica dos cortes foi elevada a um novo nível ideológico. Digo isso como vice-chefe do departamento de Psicologia Clínica da USP, tendo que explicar a meus alunos se eles vão ou não ter suas bolsas de mestrado ou doutorado no semestre que vem.
Digo isso pensando nos ratos, pombos e cães empregados pela pesquisa em Psicologia Experimental e que tiveram que ouvir, de nosso ministro da educação: esperem até setembro para comer de novo. Balbúrdia vem do grego “balbus” que quer dizer gago ou estrangeiro que fala em uma língua que não entendemos.
Quando examinamos de perto o esclarecimento do ministro Weintraub sobre a redução de 3,4% na verba contingenciável para as universidades temos um exemplo atual de balbúrdia como paradigma da falta de rigor.
Seguindo a enunciação popularizada pelo PowerPoint de Dallagnol e consagrada pelos Memes baseados em “quer que eu desenhe?”, Weintraub se põe a demonstrar para as massas ignaras, que comem kafta mas não leem Kafka, o que o governo está a realizar. Sim, é neste lugar que você é posto quando alguém traz uma centena de chocolates, diante das câmeras, para te fazer ver quão pouco são 3,5 deste montante. Perfeita coesão entre forma e conteúdo.
Como não pensar nas universidades como ícone da gordura, antípoda do regime alimentar equilibrado e alegoria da massa adiposa que deve ser cortada?
Em meio ao desemprego e ao colapso econômico, que não pode mais ser atribuído ao PT, quem não pode esperar para comer o marshmallow não são os bancos, nem as lagostas do STF, mas ... os professores. Todo plano perfeito tem um pequeno detalhe que põe tudo a perder.
Na pirotecnia de Weintraub sobra a metade de um chocolate, cortado ao meio para criar o efeito de exatidão. Aqui o psicanalista não deixará de perceber um enunciado denegatório. Enquanto diz que não vai cortá-lo, ele parte o doce em dois, dizendo uma coisa e fazendo outra, ao vivo e em cores.
Contradição que Freud examinou ao analisar o caso do sujeito que diante de uma mulher em seu próprio sonho diz, de forma exaltada e reativa: não é minha mãe (o que permite imediatamente inferir que se trata da própria). Este resíduo da conta, esta metade sobrante da operação, que Lacan tematizou com a noção de objeto a, é a prova do truque mal feito.
Rastro que o criminoso deixa na cena do crime para ser pego e satisfazer seu sentimento inconsciente de culpa. Aquele estranho pedaço, que não sabemos o que fazer com ele, porque ele denuncia o conjunto sórdido do conjunto da operação, é o pequeno indício de uma grande corrupção.
Qual não é nossa surpresa quando vemos este resto ser comido pelo próprio presidente em evidente e luxuriosa ganância. O comentário não poderia doer mais aos ouvidos de qualquer psicanalista: “homem dando chocolate para homem”. A piada de tonalidade homossexual coloca a céu aberto o pensamento sexualizado dos envolvidos.
Freud escreveu livro sobre este tipo de anedota para mostrar como é nestas pequenas piadas que se dizem grandes verdades. Afinal quem pensaria, vendo um homem tomando um pedaço de chocolate do outro, em ... sexo?
Claro que como psicanalistas não estamos autorizados a interpretar ninguém fora da transferência e da associação livre daquela própria pessoa. Mas é um exercício medieval de autocontenção acompanhar a balbúrdia discursiva de Bolsonaro e seus ministros.
Atos falhos contínuos, sexualização errática, declarações em permanente denegação, ambiguidades incompreensíveis e paródias involuntárias de si mesmo. Neste contexto as perguntas mais óbvias da imprensa tornam-se potenciais interpretações clínicas. Por exemplo, diante de um erro crasso, que troca 500 milhões por 500 mil, custo da avaliação do Saeb, o ministro responde afirmando é isso mesmo, porque ele é capaz de “fazer mágica”.
Quando vem a público para mostrar que os 30% de cortes em verbas não obrigatórias para educação representam, na verdade, 3,5% de cortes no montante geral dos gastos com universidades, sua confusão retórica é evidente.
Sem um tradutor intérprete, especialista no idioma bolsonariano, o nosso professor de notas medíocres e sem doutorado, engendra o efeito cômico de que 30% de 100 seriam algo como 3, e não 30 unidades. Um ministro da educação da Educação que em vez de Inep é inepto segue rigorosamente a retórica da balbúrdia que elegeu seu chefe: inconsequência com a palavra, confiança na desmemoria e corrupção interesseira da história.
Se há método nesta loucura é certamente o método da balbúrdia.
Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP
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