ESTAMOS A MORRER
PASSO A PASSO E NÃO GRITAMOS, FALAMOS OU DENUNCIAMOS
O AR DE NOSSAS CASASTÁ PIOR QUE NAS RUAS ,AFORA O CLIMA PSIQUICO QUE NOS ESBAFORA.
"É tempo de deixar de respirar desculpas. Queremos respirar ar limpo. Onde vivemos, trabalhamos e estudamos.
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O ar que respiramos;" em Lisboa está a matar-nos... mas dentro de casa
Um estudo de ciência cidadã em que participei (juntamente com mais 14 voluntários) revelou uma verdade surpreendente e algo incómoda: o ar dentro das nossas casas e espaços comerciais pode ser mais poluído do que o das ruas da cidade. Em pleno século XXI, numa capital europeia que se orgulha de apostar na sustentabilidade e nas políticas verdes, este estudo de base cidadã veio levantar o véu sobre uma realidade desconcertante e perigosa: o ar que respiramos dentro de casa (onde passamos mais de 80% do nosso tempo) pode estar a pôr-nos em risco mais do que o ar da rua.
A investigação, desenvolvida por esta rede de voluntários organizados pelo Movimento pela Democracia Participativa (MDP), com sensores de baixo custo, monitorizou durante três meses a qualidade do ar em Lisboa em múltiplos locais e horários. Os dados foram inspirados no trabalho da Universidade de Birmingham, que alertava para o facto de o ar em algumas casas estar mais poluído do que o ar exterior. Lisboa confirmou esse alerta.
As conclusões são tão inquietantes quanto claras: o índice médio de qualidade do ar em espaços interiores é quase cinco vezes pior (236.31) do que o verificado no exterior (50.70). E se há quem acredite que o problema se resume a casas mal ventiladas, desengane-se: as medições mais graves ocorreram também em centros comerciais, livrarias, cafés e casas de repouso, locais onde a população mais vulnerável — idosos, crianças, pessoas com doenças respiratórias — passa boa parte do seu tempo.
Mais grave ainda: não existe qualquer regulação em Portugal para a qualidade do ar interior em espaços públicos. Nenhuma lei que defina limites aceitáveis de partículas finas (PM2.5 e PM10), formaldeído, monóxido de carbono ou dióxido de carbono dentro de estabelecimentos comerciais ou instituições públicas. A legislação europeia sobre o ar interior é praticamente inexistente, apesar da crescente evidência científica dos riscos associados.
Existem normas técnicas e recomendações (por exemplo, da Direção-Geral da Saúde – DGS, e da Agência Portuguesa do Ambiente – APA) sobre qualidade do ar interior, mas não são obrigatórias para todos os edifícios.
É verdade que existe alguma regulação específica para alguns tipos de edifícios, tais como:
- Escolas: o Decreto-Lei n.º 79/2006 (republicado pelo Decreto-Lei n.º 101-D/2020) fala na necessidade de assegurar qualidade do ar interior em edifícios de serviços, no contexto do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE).
- Grandes edifícios comerciais e de serviços, no âmbito da eficiência energética, também devem fazer avaliações da qualidade do ar interior, mas não há multas específicas para ultrapassagem de certos poluentes.
- Estabelecimentos de saúde (hospitais, clínicas) têm algumas exigências específicas para a qualidade do ar.
Apesar deste ténue e disperso quadro legislativo (e, talvez, por causa disso), os dados recolhidos neste estudo em Lisboa e pelos académicos de Birmingham, mostram que, por exemplo, cozinhar — mesmo com janela aberta — pode elevar os níveis de compostos tóxicos como TVOC e formaldeído para valores superiores à sensibilidade dos sensores utilizados. Algumas casas chegaram a atingir níveis máximos de CO2 (5.000 ppm), que são considerados perigosos para a saúde. E tudo isto sem qualquer alerta público, sem qualquer sistema de monitorização oficial, sem qualquer plano de acção.
Acredito que a Câmara Municipal de Lisboa deve, com base nestes dados, desenvolver um regulamento municipal de qualidade do ar interior, com fiscalização activa de espaços públicos e comerciais. Deve distribuir sensores por escolas, creches, centros de saúde e instituições de apoio social. Deve promover campanhas de literacia ambiental, explicando que manter as janelas abertas, usar exaustores e evitar velas, incensos e produtos de limpeza agressivos são medidas simples, mas eficazes.
Por outro lado, o governo e a Assembleia da República têm a responsabilidade de legislar, de forma robusta e vinculativa, sobre os limites para qualidade do ar interior. Assim como existem exigências para insonorização ou iluminação, deve existir uma exigência para ar limpo. A ausência desta legislação não é neutra: é cúmplice.
Este estudo cidadão foi feito com poucos recursos, mas com grande rigor e transparência. Imagine-se o que poderia ser feito com uma estrutura institucional articulada, equipada e com vontade política. Lisboa pode e deve ser pioneira na Europa neste domínio.
É tempo de deixar de respirar desculpas. Queremos respirar ar limpo. Onde vivemos, trabalhamos e estudamos.
Estudo MDP disponível para consulta, por extenso e com dados em bruto aqui.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democracia Participativa
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