EDITORA PATUÁ
Aqui destaco o livro do poeta Jose Edmilson Rodrigues - ENSAIO DE TEMPO, em crítica e ou apresentação da poeta Selma Vasconcelos. Sua apreciação é farta e apura traços do poeta José Edmilson, resultando num quase ensaio, face seu tricotear por variáves diversas da Literatura e campos epistêmicos vizinhos,isto é uma atîtude bem ladrilhada que uma boa crítica tece ao aceitat esta tarefa.
Paulo Cordeiro Vasco
A propósito do livro Ensaio de Tempo de Jose Edmilson Rodrigues
Selma Vasconcelos*
A inexatidão de definir ou conceituar o que seja o tempo, talvez explique a preocupação
recorrente de pensadores , filósofos e poetas em torno desse “ motor “ contínuo que aprisiona
nossas vidas. Para nós, ocidentais, que adotamos o calendário gregoriano, a passagem do
tempo é dimensionada e baseada na posição da terra em relação ao sol. Dividem-se os anos
em 365 dias o que corresponde ao tempo em que a terra completa uma orbita ao redor do
astro rei.
As culturas ancestrais, como as indígenas registram o tempo de acordo com fenômenos
naturais; a cultura islâmica adota o calendário lunar , ou seja, considera um ciclo lunar
completo que dura 29 dias , resultando em anos de 354 dias .Portanto os calendários refletem
as necessidades de organização social de cada cultura em especial.
Mas o que nos interessa nesse artigo é demonstrar a preocupação humana com esse ser
fluido, impalpável , que nos acompanha e nos marca ao longo de nossa trajetória passageira
pela terra. Os poetas, particularmente , não raro, trazem à luz essa inquietação .
Como bem referiu Edmilson em seu poema João e outros em si, dedicado a João Cabral de
Melo Neto “ João é íntimo e não intimista”. O autor vai adiante numa das melhores definições
do poeta pernambucano: Carpinteiro das palavras. Dessa carpintaria de João Cabral ,
poderíamos trazer, por exemplo ,o poema Relógio. A estrutura do poema faz coerência com a
estrutura de um relógio, desde que é todo regido pelo número quatro. São quatro partes ,
cada parte com seis estrofes de quatro versos; idêntica portanto á estrutura de um relógio que
traz em cada uma de suas metades seis números tendo sua circunferência dividida em quatro
quadrantes .
A partir daí o poeta denota sua preocupação com esse quantificador de nossas vidas. Como é
característico à poética cabralina, ele trabalha em seu tear um tecido de metáforas sempre
objetivando chegar a uma imagem mais precisa do objeto que estuda. Inicialmente compara o
tal relógio a uma gaiola, ou seja, um elemento escravizador que aprisiona o tempo e em
decorrência , escraviza o homem. Por outro lado, como toda gaiola, aprisiona um pássaro
cantor ( a gaiola será de pássaro ou pássara/ é alada sua palpitação....) Mais adiante
diferencia esse “ pássaro por ter um compasso “ humana, mas de máquina horizontal e
monótono...simplesmente trabalho, não de mão, sem fadiga e por demais precisa”, e aprisiona
o tempo que é seu combustível . No final do poema o poeta humaniza sua metáfora fazendo
alusão `a outra “máquina” ... outra máquina de dentro ...soando no fundão das veias, e que “
revela vontade própria”, ou seja ,como ele próprio diz “ coração , noutra linguagem”. No caso,
esse mecanismo humanizado é que move os ponteiros até que se esvaia o tempo.
Na verdade ,esse poema é um belo exemplo do que sempre norteou a poética de João Cabral
que à maneira de PENÉLOPE constrói e descontrói o objeto até que se possa desvendá-lo em
continuo exercício de inteligência a duas mãos, autor e leitor.
A poesia de José Edmilson Rodrigues não se faz diferente . A partir do titulo do livro “ Ensaio
de tempo “ o autor denuncia sua inquietação com essa máquina alimentada por outra que é
nosso coração “ a máquina de dentro “ como disse João Cabral.
Vejamos o poema do poeta campinense: Outra vez –ele aponta para o amor antigo que se foi
““na pista do vento / que o tempo marca e apaga”,
Continuando nosso deleite na leitura chegamos ao poema Quando falamos de ontem; aqui o
poeta declara seu espanto diante da passagem do tempo e suas marcas no rosto da mulher
amada; mas recompõe sua figura, a despeito da voracidade do tempo , num exercicio mágico
que só o gênio criador permite , a face procurada “ era ontem como o mesmo sorriso”.
No poema Ensaio de tempo que dá título ao livro, o poeta faz uma alusão clara à dualidade e
temporalidade da vida: “Nós somos a casca do madeiro e o ar que sobre ele resvala”.
Esse poema me remete a outro poeta, o nosso Mário Quintana ,no poema de título quase
idêntico , em versos magistrais:
O TEMPO
...E se me dessem um dia uma outra oportunidade
Eu nem olhava o relógio, seguia sempre em frente
E iria jogando pelo caminho
A casca dourada e inútil das horas
Como disse Antônio Candido a respeito de João Cabral: “não era um poeta em paz”. Repito
essa assertiva a respeito de Jose Edmilson Rodrigues Ele também não é um poeta em paz
,muito embora sua inquietude nos proporcione leituras provocadoras e inteligentes .
Recife, 12/04/2025
*SELMA VASCONCELOS - Paraibana,Professora, médica, escritora. Poeta biógrafa de João Cabral M. Neto. Cronista, crítica do cotidiano..Obras publicadas dentro e fora do país com prêmios nacionais e internacionais
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