domingo, 4 de maio de 2025
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sábado, 3 de maio de 2025
NANA CAYMMI -O TEMPO BATEU NA PORTA E NANA DORMIU....( VEJAM VÍDEOS)
quinta-feira, 1 de maio de 2025
Ensaio de Tempo de Jose Edmilson Rodrigues
EDITORA PATUÁ
Aqui destaco o livro do poeta Jose Edmilson Rodrigues - ENSAIO DE TEMPO, em crítica e ou apresentação da poeta Selma Vasconcelos. Sua apreciação é farta e apura traços do poeta José Edmilson, resultando num quase ensaio, face seu tricotear por variáves diversas da Literatura e campos epistêmicos vizinhos,isto é uma atîtude bem ladrilhada que uma boa crítica tece ao aceitat esta tarefa.
Paulo Cordeiro Vasco
A propósito do livro Ensaio de Tempo de Jose Edmilson Rodrigues
Selma Vasconcelos*
A inexatidão de definir ou conceituar o que seja o tempo, talvez explique a preocupação
recorrente de pensadores , filósofos e poetas em torno desse “ motor “ contínuo que aprisiona
nossas vidas. Para nós, ocidentais, que adotamos o calendário gregoriano, a passagem do
tempo é dimensionada e baseada na posição da terra em relação ao sol. Dividem-se os anos
em 365 dias o que corresponde ao tempo em que a terra completa uma orbita ao redor do
astro rei.
As culturas ancestrais, como as indígenas registram o tempo de acordo com fenômenos
naturais; a cultura islâmica adota o calendário lunar , ou seja, considera um ciclo lunar
completo que dura 29 dias , resultando em anos de 354 dias .Portanto os calendários refletem
as necessidades de organização social de cada cultura em especial.
Mas o que nos interessa nesse artigo é demonstrar a preocupação humana com esse ser
fluido, impalpável , que nos acompanha e nos marca ao longo de nossa trajetória passageira
pela terra. Os poetas, particularmente , não raro, trazem à luz essa inquietação .
Como bem referiu Edmilson em seu poema João e outros em si, dedicado a João Cabral de
Melo Neto “ João é íntimo e não intimista”. O autor vai adiante numa das melhores definições
do poeta pernambucano: Carpinteiro das palavras. Dessa carpintaria de João Cabral ,
poderíamos trazer, por exemplo ,o poema Relógio. A estrutura do poema faz coerência com a
estrutura de um relógio, desde que é todo regido pelo número quatro. São quatro partes ,
cada parte com seis estrofes de quatro versos; idêntica portanto á estrutura de um relógio que
traz em cada uma de suas metades seis números tendo sua circunferência dividida em quatro
quadrantes .
A partir daí o poeta denota sua preocupação com esse quantificador de nossas vidas. Como é
característico à poética cabralina, ele trabalha em seu tear um tecido de metáforas sempre
objetivando chegar a uma imagem mais precisa do objeto que estuda. Inicialmente compara o
tal relógio a uma gaiola, ou seja, um elemento escravizador que aprisiona o tempo e em
decorrência , escraviza o homem. Por outro lado, como toda gaiola, aprisiona um pássaro
cantor ( a gaiola será de pássaro ou pássara/ é alada sua palpitação....) Mais adiante
diferencia esse “ pássaro por ter um compasso “ humana, mas de máquina horizontal e
monótono...simplesmente trabalho, não de mão, sem fadiga e por demais precisa”, e aprisiona
o tempo que é seu combustível . No final do poema o poeta humaniza sua metáfora fazendo
alusão `a outra “máquina” ... outra máquina de dentro ...soando no fundão das veias, e que “
revela vontade própria”, ou seja ,como ele próprio diz “ coração , noutra linguagem”. No caso,
esse mecanismo humanizado é que move os ponteiros até que se esvaia o tempo.
Na verdade ,esse poema é um belo exemplo do que sempre norteou a poética de João Cabral
que à maneira de PENÉLOPE constrói e descontrói o objeto até que se possa desvendá-lo em
continuo exercício de inteligência a duas mãos, autor e leitor.
A poesia de José Edmilson Rodrigues não se faz diferente . A partir do titulo do livro “ Ensaio
de tempo “ o autor denuncia sua inquietação com essa máquina alimentada por outra que é
nosso coração “ a máquina de dentro “ como disse João Cabral.
Vejamos o poema do poeta campinense: Outra vez –ele aponta para o amor antigo que se foi
““na pista do vento / que o tempo marca e apaga”,
Continuando nosso deleite na leitura chegamos ao poema Quando falamos de ontem; aqui o
poeta declara seu espanto diante da passagem do tempo e suas marcas no rosto da mulher
amada; mas recompõe sua figura, a despeito da voracidade do tempo , num exercicio mágico
que só o gênio criador permite , a face procurada “ era ontem como o mesmo sorriso”.
No poema Ensaio de tempo que dá título ao livro, o poeta faz uma alusão clara à dualidade e
temporalidade da vida: “Nós somos a casca do madeiro e o ar que sobre ele resvala”.
Esse poema me remete a outro poeta, o nosso Mário Quintana ,no poema de título quase
idêntico , em versos magistrais:
O TEMPO
...E se me dessem um dia uma outra oportunidade
Eu nem olhava o relógio, seguia sempre em frente
E iria jogando pelo caminho
A casca dourada e inútil das horas
Como disse Antônio Candido a respeito de João Cabral: “não era um poeta em paz”. Repito
essa assertiva a respeito de Jose Edmilson Rodrigues Ele também não é um poeta em paz
,muito embora sua inquietude nos proporcione leituras provocadoras e inteligentes .
Recife, 12/04/2025
*SELMA VASCONCELOS - Paraibana,Professora, médica, escritora. Poeta biógrafa de João Cabral M. Neto. Cronista, crítica do cotidiano..Obras publicadas dentro e fora do país com prêmios nacionais e internacionais
quarta-feira, 30 de abril de 2025
O consumo da arte em tempos de inteligência artificial por Camilo Soares em a Terra é Redonda
Camilo Soares um poeta da palavra,da imagem oferece-nos um ensaio do consumo da arte em tempos da inteligência artificial
Só um homem sensível, um poeta escarafuncha o olhar ,o sentir ,o afeto dentro do contexto das artes.
Bem disse ele:
"Ao se deparar ainda com a importância perdida do afeto e do contexto para a leitura da imagem artística pela inteligência artificial, apontamos os perigos de uma percepção generalista promovida pela tecnologia, além da problemática autoral e ambiental que despontam em casos como o da trend Ghibli, do ChatGPT.
Camilo tem a sensibilidade de evocar o afeto nas artes com o olhar atento como se fora de uma coisa de cuidados como de uma borboleta sobre a flor ou o gato que arregala os cheiros do seu dono,quando o sente e o afeta.
Ao encerrar seu ensaio ele nos faz lembrar Jean Baudrillard:
"O grande problema dessa tecnologia não é criar simulacros que rivalizem o real, pois o real, já diziam os budistas há milênios, é sempre construção interior. O problema maior tampouco é a preguiça e a cobiça de quem utiliza desses meios sem escrúpulos, mesmo que isso seja ignóbil. O maior perigo quiçá seja o de se perder em um mundo no qual um gesto esteja despossuído de temporalidade e afeição, e um rosto acabe perdendo seu significado, seja diante de outro rosto, seja numa lembrança, seja estampando uma fotografia."
Mas vamos ao texto/ensaio do Terra é Redonda-revista que conceituo como umas das sérias do país.
https://bit.ly/42Xu0lD
O consumo da arte em tempos de inteligência artificial
Por CAMILO SOARES*
A carência de afeto num olhar desumanizado nos leva a um mundo perigosamente liso e previsível, generalista e idiota
“Acho que estamos chegando no fim dos tempos. Humanos estão perdendo a fé neles próprios”
(Hayao Miyazaki).
Entre o rifle e o facão
A experiência da visita à exposição fotográfica Gold – Mina de Ouro Serra Pelada, de Sebastião Salgado, na Caixa Cultural do Recife foi marcada por um erro grave na audiodescrição, provavelmente gerado por inteligência artificial. A descrição distorceu o conteúdo de uma imagem emblemática, trocando um rifle por um facão e invertendo os papéis entre opressor e oprimido. Esse evento revela não só o risco de desumanização no uso acrítico da inteligência artificial, mas também um desrespeito ao público e à obra original.
Ao se deparar ainda com a importância perdida do afeto e do contexto para a leitura da imagem artística pela inteligência artificial, apontamos os perigos de uma percepção generalista promovida pela tecnologia, além da problemática autoral e ambiental que despontam em casos como o da trend Ghibli, do ChatGPT.
Mesmo preservando um olhar crítico saudável, sempre quando nos deparamos com uma exposição como Gold – Mina de Ouro Serra Pelada, de Sebastião Salgado, temos a convicção de que entramos na obra de um artista. Damos conta do tempo de maturação de um olhar e, mais evidentemente, do tempo dado pelo fotógrafo para entender e capturar uma série de imagens capazes de expressar o que ele ressentiu daquela realidade, onde, na época, milhares de homens se amontoavam como formigas em uma cava de 200 metros de profundidade na extensão da Serra dos Carajás, Pará, desumanizando-se diariamente em busca de sorte e fortuna em forma de ouro.
Embora nada seja muito novo em uma série feita em 1986 (apesar da curadoria afirmar que 31 das 56 fotografias sejam inéditas, pouco ou nada mudando a apreciação do conjunto) a oportunidade de ver ou rever uma mostra desse porte sempre é uma vivência revigorante para olhares atentos, amantes ou simplesmente curiosos.
Contudo, o que roubou a cena na visita à Caixa Cultural do Recife não foi a maestria dos enquadramentos, a abordagem social evidente ou mesmo o infeliz suporte de impressão – que é longe de ser o melhor para expressar as nuances dos grãos de prata da fotografia que Sebastião Salgado executava na época; o que roubou mesmo a cena foi um detalhe invisível, mas que reflete, de certa maneira, os perigos de nossos tempos. Ao escutar os comentários da audiodescrição, percebi que um erro crasso, desses que dão vergonha, que só poderia ser fruto de Inteligência artificial.
Parei em frente a uma das fotos emblemáticas da série, que busquei no emaranhado de imagens como quem procura marcas de uma lembrança antiga. Essa riqueza ao mesmo tempo temporal, espacial e afetiva confere à imagem uma pujança tão misteriosa quanto reveladora, com a qual Gilles Deleuze, atravessando o cone bergsoniano da memória, parece nos abrir um mapa para compreender, nesse movimento entre íntimo e exterioridade, os segredos da imagem: “Nós não movemos do presente para o passado, da percepção para a lembrança, mas do passado para o presente, da lembrança para a percepção”. (DELEUZE, G. Bersonism, p.67, apud LISSOVSKY, 2008 p. 107).
O clique capta um forte e destemido garimpeiro, trajando farrapos, que segura a espingarda de um soldado branco, que parece tão menor e desprovido diante daquele corpo negro e musculoso fincado ao monte como uma pedra inquebrantável. A tensão de classe e cor é inegável, alavancada ainda mais pelo imaginário rompido por esse gesto heróico.
Não sei onde li (será que li?) o comparando a um Hércules negro, diante de uma das tantas tarefas que se tem que passar para sobreviver naquele lugar inóspito. O ângulo de baixo para cima enaltece a cena, cuja mítica é reforçada por se passar no pico de um monte, cercados por outros mineiros, que testemunham o peculiar acontecimento ao passo que acabam criando, nesse círculo, um estranho sentimento de ordem e plenitude em meio ao vale de caos incessante.
Para aprofundar a apreciação dessa interessante imagem, eis que escuto os comentários gravados, disponíveis por QRCode, declamado por uma voz masculina, determinada e convincente: “Essa fotografia retrata um momento de tensão e confronto. No centro da imagem, um garimpeiro musculoso coberto de lama e vestindo apenas um calção rasgado segura firmemente um facão enquanto encara um soldado fardado. O militar com postura firme e uma expressão determinada, segura a lâmina do facão com uma das mãos, estabelecendo um contato físico e simbólico entre os dois”.[i]
A descrição/análise não apenas erra a arma (trocando rifle pelo facão), mas inverte a posição entre o opressor e o rebelado, dando protagonismo ao soldado branco que segura, “com postura firme e uma expressão determinada” a lâmina que o ameaça. O erro não apenas descreve errado uma imagem (para os visitantes com dificuldades visuais) como impõe, com a legitimidade de um dispositivo oficial, uma grave inversão factual e sociológica da análise oferecida ao público.
Muito provavelmente, não foi a intenção dos envolvidos, mas o desleixo, a pressa, a preguiça e a economia no processo curatorial e expositivo não apenas acata o risco de um erro tão esdrúxulo, mas também aceita um desrespeito ao trabalho do fotógrafo, como também ao trabalho de especialistas, que deveriam ser pagos para fazer bem esse texto crítico/descritivo, e ainda representa um desrespeito ao público, quando lhe é oferecido abobrinhas digitais legitimadas pela forma de informações sérias, em uma exposição de envergadura internacional dentro de um espaço cultural de um grande banco público.
Analisando a imagem, o erro deve ter sido ocasionado pelo gesto inusitado do garimpeiro que segura o cano da arma com a mão emborcada. A leitura não-humana deve ter identificado esse ato, por aproximação, como o de quem segura o punho de uma faca. Assim fazendo, a inteligência artificial (aqui afirmo, pois nenhum humano faria um erro tão tolo) não se equivoca apenas na descrição geral da cena, o que Roland Barthes chama de studium, mas também no punctum da imagem, elemento que vem contrariar as generalidades do studium, cortando e ferindo o esperado.
O corte que fere nessa foto o esperado da situação e, assim, mortifica o olhar de quem olha a imagem, é justamente o gesto do garimpeiro, que transporta o fato da imagem para outros aspectos, fabulações e afetos, o que as generalizações da Inteligência Artificial muito dificilmente chegarão. Esse corte nem precisava do facão inventado, ou melhor, é o próprio fato, dele segurar o rifle apontado para si desta maneira, que confere sua estranheza e força, uma ferida inesperada naquela realidade não percebida pelos algoritmos da tecnologia.
Seria justamente observando que a fenomenologia da fotografia se cria no afeto do olhar que Roland Barthes, sem o saber, já previa os limites da máquina em ver, sentir e pensar uma imagem: “o afeto era o que eu não queria reduzir; sendo irredutível, queria, devia reduzir a Foto, mas seria possível reter a intencionalidade afetiva, um intento do objeto que fosse imediatamente penetrando de desejo, de repulsa, de nostalgia, de euforia?” (BARTHES, 1984, p. 38).
A carência de afeto num olhar desumanizado nos leva a um mundo perigosamente liso e previsível, generalista e idiota. A apreciação da Inteligência Artificial pode até dos trazer observações astutas de ângulos e enquadramentos, além de uma contexto geral correto de uma imagem banal, mas não ultrapassa a epiderme do esperado, privando-nos de percepções que nos abrem rotas para viagens por mares mais profundos e distantes, explorando horizontes novos e desconhecidos.
A intervenção da Inteligência Artificial quebrou, assim, a unicidade da obra marcada por uma experiência de tempo e espaço específicos, que Walter Benjamin chama de aura, ao analisar a mudança da arte nos tempos de reprodutibilidade técnica, para atender a uma necessidade do capitalismo de maior proximidade do consumidor com as imagens. Walter Benjamin observou a destruição da aura da imagem, no retirar do objeto de seu invólucro e durabilidade, como uma mudança da forma de percepção, cuja “capacidade de captar o ‘semelhante’ no mundo é tão aguda que, graças à reprodução, ela consegue captá-lo até no fenômeno único.” (BENJAMIN, 2008, p. 101).
Com o advento da tecnologia digital, tal processo se torna ainda mais radical, quando a própria matriz perde relevância em relação às cópias. Só que a inteligência artificial chegou não apenas para poder desligar a imagem de seu objeto original, mas também desconectá-la do contexto no qual foi concebida e do olhar de seu criador.
Uma espada e duas palavras
Isso lembra da recente polémica causada por uma trend de uma inteligência artificial para transformar fotografias em desenhos no estilo do famoso estúdio de animação japonesa Ghibli, emulando, sem autorização, o estilo de seu co-fundador e mais célebre diretor Hayao Miyazaki, conhecido por filmes como Meu Amigo Totoro (1988), A Viagem de Chihiro (Oscar de melhor animação em 2002) e O menino e a Garça (Oscar de melhor animação de longa-metragem em 2024).
Famoso por ainda fazer animação usando imagem por imagem desenhadas artesanalmente, cada filme do Ghibli demora anos para ser finalizado, às vezes meses para se obter uma cena mais complexa, obedecendo o critério rigoroso de seu criador. Exemplo desse princípio sem concessões foi a briga de Hayao Miyazaki e Harvey Weinstein, então chefão da Miramax que, antes de ser conhecido (e preso) como predador sexual, era famoso por mutilar filmes e, no caso exigiu, ameaçando processar a produtora japonesa, se não cortasse o filme Princesa Mononoke (1997) de 135 para 90 minutos para distribuição nos EUA. Como resposta, Hayao Miyazaki manda um espada de samurai para o produtor estadunidense com um cartão de apenas duas palavras: “Sem cortes”. O filme não teve cortes e Hayao Miyazaki conquistaria respeito e prêmios nos EUA e no mundo.
Embora o estúdio Ghibli tenha se mantido em silêncio sobre a tal trend, Hayao Miyazaki já havia expresso sua visão em documentário de 2016 (Uma série da empresa de telecomunicação japonesa NHK, dirigida por Kaku Arukawa), ao ser convidado por empresários e desenvolvidores para avaliar uma animação feita totalmente por máquinas. A resposta não poderia ser menos categórica: “Estou completamente enojado. Se você realmente quer criar coisas assustadoras, pode fazer isso. Mas eu nunca desejaria incorporar essa tecnologia ao meu trabalho. Sinto fortemente que isso é um insulto à própria vida.”
Mesmo sem tomar conta da opinião dos autores (nem os remunerar), a trend foi um enorme sucesso. Já havia emuladoras de traços de South Park, Rick and Morty e The Simpson, mas a repercussão da trend do Ghibli foi incomparável, fazendo a ChatGPT, IA da empresa OpenAI, que desenvolveu o plugin, a acrescentar mais de um milhão de usuários em apenas uma hora. Famosos e desconhecidos correram para ter seus perfis ilustrados com desenhos ao estilo dos famosos animes orientais. No entanto, além de retratos fofinhos, a tecnologia foi usada para fins menos inocentes, como o cruel meme estilizado de uma imigrante dominicana chorando algemada ao ser deportada, publicado pelo perfil oficial da Casa Branca no Instagram.
A densidade artística e humanista de uma obra construída em décadas foi desrespeitada mais uma vez pela velocidade vazia e sem ética impostas pelos que lucram duplamente com essas tecnologias: com o número de seguidores e com o banco de dados gratuitos que ganham para treinar suas máquinas quando se manda uma foto para ser estilizada.
Não por acaso, em outubro do ano passado, mais de 11 mil artistas assinaram um protesto contra o uso não-autorizado e não-remunerado de suas criações para alimentar plataformas de inteligência artificial. Entre tais artistas estão atores e atrizes como Julianne Moore, James Patterson e Kevin Bacon, além de músicos como Thom Yorke (vocalista do Radiohead), Bjorn Ulvaeus (Abba) e o prêmio Nobel de Literatura Kazuo Ishiguro. Um mês antes, estrelas de Hollywood, como Jane Fonda, Mark Hamill e Pedro Pascal lutaram por um projeto de lei para controle de Inteligência Artificial, que foi vetado pelo Governador da Califórnia Gavin Newsom. Sobre essas polêmicas, a porta-voz da OpenAI Taya Christianson (em declaração enviada à imprensa) respondeu: “Nossa meta é oferecer aos usuários a maior liberdade criativa possível”. Respaldando-se na ambiguidade entre inspiração e cópia, a tecnologia acumula dados para cada vez mais se desenvolver e lucrar com a criação alheia, destruindo não apenas a aura da obra, mas matando o próprio criador ao aliená-lo de sua criação.
Baseados na proposta de aumentar cada vez mais a liberdade e a transparência das informações, tais tecnologias inserem enormes quantidades de informações em fluxos lisos de dados, sem interioridade, sem densidade, sem autonomia e dramaturgia do sujeito, onde tudo é visível, disponível e possível, como uma hiper-verdade distópica. Esse dataísmo, segundo Byung-Chul Han, desnaturaliza, por acumulação sem profundidade, o próprio ser, ao afastá-lo do saber inerente à vivência. Para ele, o uso dessas informações é uma forma de pornografia da sabedoria: “Falta-lhe a interioridade que caracteriza a sabedoria. […] Já a sabedoria tem toda outra estrutura. Ela se tensiona entre passado e futuro. A informação habita, ao contrário, o tempo alisado de pontos presentes indiferenciados. Ela é um tempo sem acontecimento ou destino” (HAN, 2015, p.20).
A alienação do criador pelas tecnologias atuais é, de certa forma, a morte da arte como experiência que fere a normalidade do olhar, sensibiliza pessoas e transforma atitudes, pois a criação não e apenas um sampler de dados consumíveis, mas fruto de um processo livre, ao mesmo tempo racional e intuitivo, opaco, imperfeito e, por isso, incontrolável, surgido da experiência de um autor em um espaço e um tempo e conferido por um público que reconfigura essa experiências em suas próprias vidas.
Tais trends não apenas desrespeitam o processo artístico, mas afetam a arte no cerne de sua busca estética de algo que se abre como mistério, por uma percepção ainda cega e insconsciente. Byung-Chul Han chama esse algo de belo natural, que, ao contrário do belo digital, exime-se totalmente da conformação para o consumo, pelo utilitarismo que se integra nas mercadorias. A Inteligência Artificial, por outro lado, desintegra todo o incômodo, toda a ferida da arte para criar uma mercadoria imediatista e puramente positiva, afim de sedimentar um autoespelhamento permanente, alimentado por selfies, trends e likes.
Byung-Chul Han destaca que o belo digital está num presente sem história e sem futuro, pairando esvaziado de afeto e temporalidade, onde se perde também o exercício do encontro, de lidar com a alteridade: “No belo digital, a negatividade do outro foi totalmente anulada. Por isso ele é todo liso. Não pode ser rasgo. Seu signo é a complacência sem negatividade, a curtida. […] Graças à digitalização total do ser, alcançou-se uma humanização total, uma subjetividade absoluta, na qual o sujeito humano se depara apenas consigo mesmo” (Ibid., pp. 40-41).
240 mil litros de água
Não bastasse a problemática em relação aos direitos autorais e contra à convicção na estética estabelecida em 50 anos de trabalho artesanal, ainda nos deparamos com outra consequência da famosa trend, que lacera a alma dos filmes da Ghibli: o impacto ambiental. Estudos da University of Califórnia, Riverside e University of Texas (publicados no Washington Post) revelam o massivo consumo de água fresca para que se possa operar tais conglomerados de máquinas por trás dessas criações artificiais. O treinamento de um único modelo de linguagem, como o GPT-3 por exemplo, demanda a evaporação de cerca de 5.4 milhões de litros, levando em consideração o resfriamento dos servidores e a água usada indiretamente na geração da energia usada.
O estudo adverte ainda que, não mudando essa realidade, o consumo global de água provocado pela Inteligência artificial chegará entre 4.2 e 6.6 bilhões de metros cúbicos, equivalendo ao abastecimento de 4 a 6 países como a Dinamarca. Tal marca seria ultrapassada em 2028 apenas pelo consumo dos datacenters dentro dos EUA, sem precisar sequer considerar a perda de água devido ao poluente processo de produção de chips.
A exemplo da trend do Ghibli, com 6 milhões de posts que gerou rapidamente apenas no Instagram, calcula-se, a partir de um estudo da Hugging Face e Carnegie Mellon University, um consumo de 240 mil litros de água, o que permitiria o suficiente para o uso diário de água para 12 mil pessoas (numa estimativa de 20 litros por indivíduo). Aqui poderíamos ainda acrescentar o extravagante consumo de energia por essas tecnologias (cada imagem pede o equivalente ao carregamento de 25% de um celular) e de CO2 (cada milhão de imagem equivale à poluição causada no trajeto de cerca de 5 mil quilômetros de um carro comum à gasolina). Não por acaso, Adam Altman, CEO da OpenAI, ao celebrar o sucesso da trend, assumiu que suas GPUs estavam derretendo e que deveria restringir por um tempo a capacidade de cálculo para não pifar seu sistema.
Paradoxalmente, tamanho descuido com o ambiente poderia inspirar um roteiro para os filmes do própria Ghibli, bastante ancorado na cosmologia xintoísta, tradição espiritual japonesa ligaga à colheita, às estações do ano e aos antepassados, cultivando uma relação de respeito com a natureza, muitas vezes associada a forças míticas do mundo, como a montanha, rios ou o vento. Tal harmonia é representada num mundo onde estão dispersos os kami, elementos sagrados que compõe tanto coisas orgânicas quanto inorgânicas: água, raízes, fogo e folhas. Quando essa paz é quebrada pela equivocada ação humana, o resultado é sempre destruição e morte: nada mais atual do que o aumento de catástrofes naturais no planeta decorrente do aquecimento global.
Não há espaço, contudo, para uma ecologia inocente. A natureza desses filmes é ao mesmo tempo sublime e misteriosa, ameaçadora e voluptuosa, generosa e mortal. A tensão entre humanidade e natureza é por vezes evidente, como na luta pela sobrevivência de uma aldeia contra a força vingativa do mundo, em Princesa Mononoke. Por vezes, tal relação é diluída na fantasia do universo infantil, como em Meu Vizinho Totoro, no qual o mundo moderno do pós-Guerra encontra as paisagens cultivadas tradicionais (satoyama), onde a menina Mei aprende, com seres míticos, a importância do convívio com o universo. O ser humano também é capaz de coisas extraordinárias, como a fabricação do avião, visível obsessão de Hayao Miyazaki. Mas mesmo essa máquina maravilhosa é comumente acompanhada pelo resultado da inconsequência humana: morte, guerra, doença.
Há sempre sempre um caminho a ser feito, um portal a ser ultrapassado, um encontro entre mundos onde a sobrevivência e a compreensão caminham sempre juntas, mesmo que em contínua tensão. Seus filmes retratam, com lirismo orgânico e um fatalismo cru, o perigo para a humanidade de quando se esquece o respeito com o universo, como o pós-apocalíptico Nausicaä do Vale do Vento (1984) inspirado na poluição da baia Minamata.
Hayao Miyazaki demostra definitivamente que não deve haver separação entre estética, política e consciência ambiental. As imagens fofinhas da trend não tem o direito de ser pois desrespeitam o universo todo de uma obra: seus traços, cores, sua temporalidade contemplativa, sua poesia e a expressão das relações humanas e do respeito pelo mundo. A falta de ética humana e ambiental nesse evento é apenas uma ilustração fiel da decadência de nossa sociedade.
Por sinal, a Fundação Terra, da família Salgado, que faz um belo trabalho de reflorestamento em suas terras no Sul do Brasil, bem poderia proibir o uso de tecnologia tão voraz de recursos naturais em suas atividades. Seria minimamente adequado com as mais recentes séries do fotógrafo, que investe agora no registro da natureza ao redor do mundo, em trabalhos que buscam promover a consciência ambiental.
Atualizar o olhar sobre os novos paradigmas do ambiental também seria perspicaz também no caso específico da Serra Pelada. Ao renovar a abordagem sob um olhar atento às questões ambientais, abre-se mais uma camada crítica na qual os verdadeiros culpados não são mais os homens pobres e brutos retratados naquela mina, mas o sistema em que poucos continuam a ganhar muito dinheiro com a exploração de pessoas e dos recursos naturais. Como em Hayao Miyazaki, a arte, a política e o ambientalismo sempre deveriam se encontrar num final, além dos discursos e de belas imagens.
O mítico no olhar
Por outra lado, a negatividade da imagem, suas afeições e desafeições, ambiguidades, lacunas, lembranças e selvagerias, faz de sua experiência um encontro permanente com o mundo, com outros olhares, com o dialético desconforto do desconhecido, do imprevisível, do imponderável. No caso da exposição de Sebastião Salgado, por exemplo, um olhar mais atento a esses afetos pode nos levar para além do contexto factual e humanista de suas fotos, conduzindo-nos, por exemplo, a uma certa instância mítica ou sagrada no universo do fotógrafo. É o que repara Christian Caujolle sobre o trabalho de Salgado: “suas fotografias nos reenviam a uma iconografia que não é mais humanitária, mas religiosa” (CAUJOLLE, 1993, IN: LISSOVSKY, 2008, p.79).
Tal teleologia, nos faz entender os enquadramentos clássicos de Salgado, baseados na proporção áurea, como uma composição da cena que remete às temáticas renascentista bíblicas ou mitológicas. Maurício Lissovisky nota que tal estética expressa uma revelação ligada ao sacrifício pagão dos inocentes, estando, de certo modo, inscritas antes de sua produção: “A latitude de espera deve ser larga o bastante, para que a evolução da forma encontre o lugar que lhe estava, desde o início, destinada.” (LISSOVSKY, 2008, p. 79).
Nessa espera em que o fotógrafo monta sua arapuca para encontrar o registro que preconcebeu, um determinismo se impõe nas imagens como numa tragédia de Ésquilo ou Sófocles, expressando, pelo equilíbrio clássico das cenas capturadas, um destino infeliz já traçado, para o qual tais pessoas fotografadas não tem escapatória.
Contudo, é justamente essa espera, o tempo do trabalho e as temporalidades engajadas, que a Inteligência Artificial não percebe. Não sabe dos seis anos que o fotógrafo, por exemplo, esperou do governo ditatorial do Brasil da época para obter a autorização de acessar o lugar e, finalmente, em 1986, passar 33 dias, ao relento, fotografando aquela mina em forma de cratera. Essa traço de existência talvez seja a maior força da obra de Salgado, muitas vezes contestada por estetizar a miséria.
Contudo, o fotógrafo indiscutivelmente captou tais fortes imagens a partir de sua presença. É participando, como corpo presente desse universo, que ele consegue fotografar essas imagens destinadas. Esse é o fenômeno fotográfico de que Salgado fala em relação o seu processo criativo, que, para ele, afasta-se do momento decisivo de Cartier-Bresson quando o ato fotográfico não aparece mais como uma flexada única de um arqueiro zen, mas como um cerco, que vai entendendo e se aproximando “até chegar ao ápice deste fenômeno” (Entrevista a Joaquim Paz In: Paiva, Joaquim. Olhares refletidos, p.154-5, apud LISSOVSKY, 2008, p.78).
A experiência desse momento faz a força da fotografia pelo meio de uma estética do irreversível, que, segundo François Soulages, parte da própria existência para transcendê-la, tendo um prosseguimento pós-morte, ao mesmo tempo que não se pode retornar à operação anterior: “Essa obtenção generalizada não é só a imagem do tempo, mas ela é a imagem do tempo e o tempo da imagem; sua irreversibilidade tem como causa a articulação do tempo, da natureza do negativo e das condições de sua obtenção.” (SOULAGES, 2010, p. 145).
Ao aniquilar o fenômeno fotográfico (que vai além de uma suposta verdade capturada), esse erro da Inteligência Artificial, que pode até parecer mínimo e inocente, nos envolve numa nuvem de lugares comuns, matando não apenas nossa inteligência mas nossa capacidade de sentir e de complementar as lacunas e ambiguidades que fazem a força de qualquer imagem, matando a presença e a afeição que envolve todos os agentes da imagem.
Acaba matando, também, a apreensão do tempo da imagem, que estaria no modelo histórico de Warburg, lembrando por Didi-Huberman, expresso “por meio de assombrações, ‘sobrevivências’, remanescências, retornos de formas.” (DIDI-HUBERMAN, 2002. p. 27-28). Tais inconsistências do tempo nos levam muito além da troca de duas armas, observando o gesto improvável do garimpeiro, como uma obra reminiscente da história das mais longínquas memórias humanas.
Não se trata apenas de uma mentira desavisada, mas essa falta de densidade interpretativa (e afetiva) que Inteligência Artificial desenvolve e impõe às sensibilidades atuais. Tal superficialidade representa a própria morte do sujeito, ou melhor, dos sujeitos, que na fotografia são, para François Soulages (Ibid., p.145), aquela e aquele que fotografa, ou que é fotografada(o), ou que olha as fotos, ligando impreterivelmente o espaço e o tempo no mundo de quem o percebe. Antes de aniquilado, esse sujeito viajante das imagens era um sujeito-devir, em eterna transformação na imparável composição do mundo e, assim, da construção de sua própria imagem: “todas as vezes, o sujeito […] continua sendo um enigma para si mesmo: ele é incognosvível (S = x), sobretudo porque é temporal, e portanto, temporário e irreversível” (Idem).
Ao errar o gesto principal da fotografia, a Inteligência Artificial distorce os fatos, viola o tempo e seus rituais e rompe assim com o princípio mesmo da irreversibilidade fotográfica. A facilidade e rapidez que essas ferramentas oferecem não apenas destroem empregos e criam maus estudantes (um problema chave de qualquer professor contemporâneo) e escritos banais, mas exoneram a própria temporalidade e suas nuances, suas vivências, descobertas, lutos e aprendizados.
O grande problema dessa tecnologia não é criar simulacros que rivalizem o real, pois o real, já diziam os budistas há milênios, é sempre construção interior. O problema maior tampouco é a preguiça e a cobiça de quem utiliza desses meios sem escrúpulos, mesmo que isso seja ignóbil. O maior perigo quiçá seja o de se perder em um mundo no qual um gesto esteja despossuído de temporalidade e afeição, e um rosto acabe perdendo seu significado, seja diante de outro rosto, seja numa lembrança, seja estampando uma fotografia.
*Camilo Soares é fotógrafo, diretor de fotografia e professor de cinema na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
segunda-feira, 28 de abril de 2025
60 ANOS DE ALIENAÇÃO DA GLOBO- E POSTURA CERTA DO GGN
POR PINTEREST
ATÉ ISSO TEVE - QUEREM APAGAR SUA RIDÍCULA HISTÓRIA BOLSONARISTA
COMO doutor em Ciências da Comunicação-ECAUSP, tenho dever de fazer crítica a esta empresa de comunicação.
A globo nasceu paara enganar, teve aliança com a TIME LIFE.
Demitiu vários atores sérios,paga menos aos novos atores, não paga direito de imagens,antigos programas, novelas..
Apoiou o governo DITATORIAL e candidatos de direita, como caso Lava Jato, e outros.
Tem mais atores negros,isso é bom,mas paga menos, muito menos,.
Não contrata por carteira e sim com o contrato de trabalho por tempo determinado,salvo algumas estrelas que são cúmplíces deles..
OU SEJA -VALE TUDO na rede globo.
AGORA aos 60 faz palhaçada trazendo atores demitidos e que aceitam face o cahê ou ......
Na corrida dos streaming, corre com seu GloboPlay, que muitas vezes dá XABU.
Os filmes são desqualificados, utrapassados face: NETFLIX OU PRIME VIDEO, OU OUTRAS
COMO : DISNEY, MAX ETC.
Retalleiam programas atigos e transformam em documentários, de péssima qualidade salvo alguns, raros.
Muita grana para 60 anos e qualidade de compromisso com a educação NADA..
Jornalismo deixa a desejar pois se compromete ideologicamente com a direita, sempre, e assim faz as cabeças da população, altera o idioma com seus ditados de personagens, enfim definha a cultura linguística.
Não negamos seriados sérios que foram realizados ,mas isto há tem muito tempo.
Abraçou a música sertaneja ,aliás falso sertanejo,e abandonou a legítima musica brasileira MPB..
As notícias de crimes ganharam mais telas e tempos , coisa que nao hávia,isto era para suas concorrentes.
Agora, ela apela aos streaming com todas as baboseiras que ela produz.
A globo é um verdadeiro lixo na TV aberta e na paga segue o mesmo caminho, na velharia Em pauta, Conexão..BBB...
Os drones estão em tudo num exagero absurdo, cada vez mais deturpando o real, afinal a imagem é seu produto ..
A GLOBO VEIO PARA DESEDUCAR E JÁ ENFRENTA CONCORRÊNCIA COM A TV BRASIL,a exemplo do SEM CENSURA e com as lives -streamings do YOUTUBE...
Para encerrar a Globo coloca o Rio e São Pualo como se o Brasil assim se resumisse.
Escândalo o que ela faz com a cultura brasileira, é criminoso, E SEDUZ VIA UMA TECNOLOGIA como se fora o the best,
Há que acrescentar o monopólio que o grupo Globo faz com TV , RÁDIO, STREAMING E CINEMA.
TRISTE DO POVO QUE NAO SABE QUE MERECE MAIS!
A TV É EDUCAÇÃO PERMANENTE, NUNCA ESQUEÇAMOS DO QUE NOS DISSE PAULO FREIRE.
NÃO HÁ GOVERNO E QUE ENFRENTE O SPECTRO PÚBLICO DAS TVS RÁDIOS, ABSURDO, POR P VASCONCELOS
............
DO GGN ABAIXO:
https://bit.ly/4lTX9H4
Fernando Moraes soltou um texto com vários feitos da Globo nos seus 60 anos.
1960-1970 (Gênese da Globo e apoio ao regime militar)
1. Firmou um acordo ilegal com o grupo Time-Life (1962–67)
2. Apoiou o golpe militar de 1964
3. Silenciou sobre a repressão no regime militar
4. Divulgou propaganda favorável ao AI-5 em 1968
5. Censurou jornalistas e políticos críticos à ditadura
6. Minimizou a importância da Passeata dos Cem Mil (1968)
7. Endossou o slogan “Brasil: Ame-o ou Deixe-o” (1970)
8. Promoveu o Milagre Econômico, ignorando a desigualdade
9. Ocultou mortes causadas por tortura nos anos de chumbo
10. Excluiu opositores da cobertura política durante a ditadura
11. Omitiu informações sobre corrupção nas grandes obras da ditadura
12. Consolidou um controle monopolista sobre o mercado de TV
Darei minha pequena contribuição.
Em 1982, a Rede Globo resolveu fazer uma cobertura nacional das eleições. Montou sistemas de consolidação dos dados de todos os Tribunais Regionais Eleitorais (TRTEs), e soltava boletins diários, lidos se não me engano pelo âncora Carlos Nascimento.
Em São Paulo, ela resolveu fazer um acordo com o Estadão.
Na época, eu trabalhava no Jornal da Tarde, como chefe de reportagem da Economia. Durante o dia, recebíamos vários boletins da Globo, por telex, com os dados consolidados por estado.
O boletim trazia votação de cada partido no estado, dividida por capital e interior.
Para não ficar preso ao boletim, montei um pequeno programa no meu computador Dismac. O computador tinha 16 kb de memória, eu programava em DOS e o programa era armazenado em um gravador National. O programa recebia todos os dados dos estados e estimava a composição da Câmara de Deputados por partido.
Nos primeiros dias, havia uma ampla preponderância da Arena, o partido do governo. Nos dias seguintes, essa preponderância ia caindo.
Estranhei. Tudo bem que minha projeção se valia de uma simples regra de três. Mas porque no começo a Arena era tão maior?
Nos dias seguintes, César Maia soltou o brado no Jornal do Brasil: o sistema estava sendo fraudado pela Globo.
Imediatamente corri ao Departamento de Documentação do jornal, resgatei as edições de O Globo dos dias anteriores para confirmar minhas suspeitas. Em um dia, a informação de que os dados levantados pelo Globo batiam com os dos TREs.
Ué!, pensei, montei um mero programa com umas 500 linhas. Se dois programas apresentam o mesmo resultado, de duas uma: ou ambos estão certos, ou, se errados, um é cópia do outro. Não tem outro caminho.
Fui, então, ao Departamento de Sistemas do Estadão para conversar com o diretor – se não me engano, de nome Pontes. Apresentei as minhas dúvidas. Ele, então, abriu a gaveta de sua escrivaninha e me estendeu um papel, com uma recomendação:
- Se você divulgar, eu nego.
Era uma carta da Globo, sugerindo a contratação da Proconsult – a empresa suspeita que montou o sistema.
Cauteloso, ele se informou sobre a empresa no mercado, não gostou do que ouviu e resolveu encomendar o sistema para a Gerdau-IBM, de quem o Estadão era cliente. Essa foi a razão de São Paulo ter sido o único estado que não apresentou mudanças significativas na composição da Câmara.
Mas onde estaria o golpe? Liguei para Eurico Andrade, com quem trabalhara na Veja, e que estava organizando a campanha de Marcos Freire em Pernambuco.
Atilado, ele já tinha se dado conta da manipulação.
- O que eles querem é que desmontemos a fiscalização para poderem roubar na apuração.
As votações eram em cédulas.
Pernambuco foi esperto e não caiu na cilada. No Rio Grande do Sul, no entanto, Pedro Simon desmontou a fiscalização e foi alvo de uma fraude monumental. Havia sessões em votos em branco. E em muitas sessões havia rasuras nos votos pro-Simon, que eram anulados.
Tempos depois, descobri uma entrevista do Major Ludwig – o homem da comunicação do Palácio – em uma revista Playboy. Ele dizia que, nas últimas eleições, a apuração havia sido mais rápida nas capitais – onde a oposição tinha maioria. Assim, as primeiras notícias se espalhavam pelo mundo, passando a falsa impressão de que a oposição era majoritária. Nas próximas eleições, dizia ele, precisamos começar pelo interior, para impedir essa falsa sensação.
Quando começou a abertura, escrevi sobre esse tema em uma revista dedicada à imprensa. Imediatamente veio a resposta de Evandro Carlos de Andrade, chefe do jornalismo da Globo, negando a manobra.